Com 18 reservatórios em situação de colapso, com volumes médios abaixo de 10% da capacidade total de armazenamento, a crise hídrica já afeta também o cotidiano de municípios do Agreste e do Sertão - regiões mais afetadas pelo problema. O mais símbolo dessa crise é o reservatório de Jucazinho, no Agreste, que opera hoje com apenas 3,47%, afetando diretamente o abastecimento de cidades como Caruaru, Santa Cruz do Capibaribe, Toritama, Surubim e Bezerros.
De acordo com a Apac, os mananciais em colapso representam 19,35% da capacidade hídrica do estado. Outros 11,83% estão em situação crítica, com volumes entre 10% e 30%. “Quando o reservatório atinge menos de 10%, dizemos que ele está tecnicamente em colapso. Nesse estágio, a água disponível já não atende às demandas básicas da população, da agricultura e da pecuária”, explica Kássio Kramer, gerente de Monitoramento de Recursos Hídricos da Apac.
Em Bezerros, a rotina de Vitória Aguiar, moradora da zona urbana, gira em torno da chegada da água. “A água chega a cada 15 dias, o que é muito ruim. Precisamos armazenar, porque demora muito para chegar novamente e não sabemos como vai ser. A gente vai se adaptando, mas me preocupa porque a barragem está seca e não há previsão de chuva”, diz. Segundo ela, é comum vizinhos compartilharem baldes, para garantir o mínimo possível. “Tem dia que a água não dá nem para lavar roupa"
Kássio Kramer reforça que, embora o Sertão concentre a maioria dos reservatórios em colapso, outras regiões também enfrentam riscos. “Temos cinco reservatórios nas regiões da Mata e Agreste que estão em situação crítica. Não é mais um problema apenas do Sertão. É uma crise hídrica estadual”, alerta. Um exemplo é o reservatório de Coité, em Paudalho, que opera com apenas 5,85% de sua capacidade.
A escassez de chuvas agrava o cenário. Até o dia 28 de março, 95 municípios pernambucanos tiveram situação de emergência reconhecida pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR). Esse reconhecimento permite que as prefeituras solicitem apoio financeiro emergencial para ações como abastecimento por carros-pipa, recuperação de reservatórios, distribuição de cestas básicas e assistência humanitária.
“Esse apoio federal é fundamental para mitigar os efeitos da estiagem, mas ele depende de planejamento. Os municípios precisam apresentar planos de trabalho detalhados, com informações sobre áreas afetadas, danos provocados e ações já realizadas”, ressalta Kramer. A liberação dos recursos ocorre após análise da Defesa Civil Nacional e publicação de portaria no Diário Oficial da União.
Sobre a infraestrutura dos reservatórios, Kramer explica que cada caso precisa ser avaliado individualmente. “Alguns açudes foram construídos há décadas, com materiais e técnicas menos avançadas, e hoje apresentam desgaste estrutural. Outros, mais recentes, como o de Serra Azul, têm maior resiliência. Existe uma política nacional de segurança de barragens que prevê inspeções regulares e intervenções emergenciais, se necessário.”
Em relação à possibilidade de alívio pelas chuvas, Kramer é cauteloso. “O trimestre de maio a julho costuma trazer as maiores precipitações para as regiões Metropolitana, da Mata e do Agreste. A tendência é de alguma recarga, mas de forma muito irregular e localizada. A previsão climática aponta para chuvas dentro ou abaixo da média. Não teremos um inverno forte. E no Sertão, a estação chuvosa já se encerrou em janeiro, o que nos deixa sem expectativa de recarga por lá.”
“Estamos falando de uma crise que vai além da água na torneira. A falta de água paralisa plantações, compromete a criação de animais e impacta o comércio, especialmente nos pequenos municípios. É uma cadeia de prejuízos que afeta todos os setores”, conclui Kramer.
A fala da moradora Vitória resume bem o sentimento de milhares de pernambucanos afetados: “A gente se adapta, mas vive com medo. O medo de não ter água amanhã.”